terça-feira, 30 de agosto de 2011

Quanto vale uma mulher?


Quanto vale uma mulher? Com que moeda você iria comprá-la?
Se tomar minha história como exemplo, valho menos que um objeto, sou coadjuvante nessa narrativa.
Fui usada, abusada, descartada e injustiçada numa família chauvinista sem exceção.
Aquele que levou a herança de filho mais velho, mesmo sendo o 4º filho não soube ser misericordioso para comigo, Tamar, sua nora.
Sim, estou falando da família de Judá, o patriarca, 4º filho de Jacó, que veio a ser o primeiro em excelência, influência e riqueza.
Casei-me com seu filho mais velho, Er, mas fui uma esposa infeliz. Aturar perversidades do marido machuca qualquer coração. Quem nunca foi machucada por causa da maldade dos outros? Mas o pior de tudo foi ter de suportar o luto sem nem ao menos ter tido um filho.
Viúva, sem filhos, dupla vergonha e marginalização. O que foi que eu fiz para merecer tal destruição?
Porém um costume da época e de nossa sociedade ditava que, se um homem morria sem filhos, o irmão a viúva tomava para manter a genealogia.
Então, após sofrer tantos desatinos, fui entregue como objeto de procriação a outro, irmão do falecido, e Onã se tornou meu segundo marido.
Por saber que o fruto gerado de nossa relação não seria seu filho considerado, Onã derramava sua semente no chão, deixando Deus muito decepcionado.
Imaginem só minha angústia e tristeza, ser usada por prazer, mas sem filhos poder ter, por mero capricho e malvadeza.
E, como se não bastasse tanta desgraça, veio Onã também a falecer e, viúva pela segunda vez, fui devolvida para casa, a fim de esperar o terceiro irmão crescer.
Promessas, promessas, promessas que nunca chegaram a vingar. Uma vida rasgada, machucada por um pai e seus três filhos. Dor na alma que não quer calar.
O terceiro filho cresceu, o pai enviuvou, mas a promessa não cumpriu, e sozinha me deixou.
Até que Judá apareceu trabalhando perto daqui. Encontrei-o, mas não me reconheceu. De prostituta me vesti.
Foi a chance da minha vida, nenhum homem a me controlar. Prazer sentido, vingança cumprida. Penhorou suas coisas prá me pagar.
Então senti crescendo em mim vida que Deus gerou. Alegria renascida, esperança que transbordou.
Ao saber da gravidez, Judá mandou-me para a morte, mas o mesmo penhor que em minhas mãos o condenava livrou minha sorte.
E após toda essa triste história de dor, sofrimento, viuvez, privação de filhos, abandono, abuso, esquecimento e injustiça, mesmo não sendo mais tocada por homem nenhum, fui abençoada com gêmeos: Perez e Zerá.
Que sofrimento é tão grande que não deixe passar uma réstia de luz? Que maldade tão esmagadora exista que não permita uma escolha diferente para si?
Não foi ideal meu caminho, nem florida minha jornada. Muitos me tiveram por pecadora, amaldiçoada. Poesia não se mostra em tudo pela vida e a injustiça grita em nossos ouvidos.
Mesmo assim sou voz ativa, não passiva, nessa história de homens que pensavam estar escrevendo no livro da redenção.
E o mais importante de tudo é que meu nome aparece na lista de quem verdadeiramente fez História para a nossa salvação.

Referências Bíblicas: Gênesis 38; Mateus1:1-3

Adaptação de Angela Natel – 01/06/2011.

Um comentário:

  1. Angela acho interessante esse olhar esse que vc lança das escrituras com novas lentes epistemológicas. Parabéns. Só não deixa que a sua ou nossa subjetividade venha a interferir na inspiração da revelação divina. Estou gostando de ler tenho refletido sobre o foco.

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